30 dias após a minha primeira visita ao Hospital dos Lusíadas, encerro mais um ciclo destes temas (in)férteis. O corpo recuperado, a cabeça tem dias. Dou por mim a pensar em coisas triviais como "não cheguei a ouvir o coração deste bebé". Mas siga em frente, acontece a muitas, não estou sozinha, diz que é uma em cada 7 mulheres já passou por algum tipo de aborto, e muitas por 2 ou 3. Dói, mas com dois pequenos em casa, o caminho é em frente. Do meu terceiro bebé, aquele que não conheci, ficará guardado num canto do meu coração, com todo o amor de uma mãe.
Somos nós que sofremos o aborto, mas eles também perdem um filho. Nisto da maternidade o homem é posto de parte ainda. Ninguém Lhe ligou a perguntar como estava, como se sentia. E Ele estava triste, em baixo, tinha acabado de perder o seu terceiro bebé. Também ele nunca o chegaria a conhecer. E os que ligavam perguntavam, “e ela como está”?, “está a ser duro para ela?”. Eu própria me esqueci de perguntar, e sempre que ele tentava falar na sua expectativa que tinha deixado de existir eu gritava.
A dor dele era visível nos seus olhos azuis, tristes e amargurados. O terceiro bebé, mais querido por ele do que por mim, afinal já não vinha a caminho. Vazio. O meu vazio também era o dele, e ainda que sem a parte da dor física, está lá o resto de toda a dor. Temos de começar a “paternizar” mais estes assuntos. Não fui eu que sofri um aborto, fomos nós. Não sou eu que tive dois filhos, fomos nós. A dor é tanto minha quanto dele, bem como a felicidade de os ter no colo, é nossa, e isso é família.
Não sou daquelas viciadas em recém-nascidos, nem em bebés de 5, 8 ou 10 meses, nem acho grande piada confesso. Mas acho-os uma delícia quando começam a conseguir expressar-se, a dizer as primeiras palavras a caminhar como deve ser já sem tombos. Aos dois anos são ainda bebés, de mãos e pés sapudos, mas já se sentem uns crescidos, donos de uma razão cega, e de um mau feitio tolerável. As birras começam mais coisa menos coisa nesta altura, choram com toda a sua força quando querem deixar o cunho da sua autoridade. Batem porque é a única forma de "despejarem" frustração. Alguns chegam a morder. Mas são deliciosos, bebés de colo independentes, que tentam alimentar peluches e meterem fraldas em super heróis. Seguem os nossos bons e maus exemplos e tentam repetir as nossas palavras naquela fala engraçada até à exaustão.
Que esta mês traga alguma tranquilidade. Detesto começar o ano com más notícias, inevitavelmente acabamos por associar sempre a anos maus. Tento desfasar-me dessa analogia, mas tenho medo. Sei contudo que não posso viver aterrorizada à espera do Mal a cada esquina. Gostava de um novo recomeço mas não sei por onde começar. Hoje estou melhor, é o primeiro dia em que me sinto normal. A sensação de ressaca passou, e já consigo não estar sempre a rever em modo filme os dias que se sucederam ao dia 15. Não vou esquecer nunca aqueles três dias, 15, 17 e 25. Mas espero que as cores dessas memórias se tornem mais desvanecidas.